quinta-feira, 24 de junho de 2010

Memorial

Ando sem inspiração e com muita preguiça de escritura.
Para não deixar o blog abandonado, vou postar um texto de uma amiga.
É um memorial... Nele minha amiga relata como foi passar num vestibular e estudar na universidade pública, depois de ter sido uma aluna, no Ensino Médio, vítima do ensino básico público e brasileiro.

Com vocês:

Memorial - Ensino Fundamental e Médio


Minha vida escolar iniciou em 1990 quando ingressei na pré-escola, na cidade de Hortolândia. O mais interessante sobre a minha pré-escola é que as aulas não eram ministradas em nenhuma instituição de ensino, nem pública, nem particular. Era na própria casa da professora. Eu não sei dizer ao certo se ela cobrava alguma coisa ou não, mas tenho convicção que não, pois imagino que minha mãe na época não teria condições de pagar para eu estudar.

Lembro-me também das outras crianças, que eram tão necessitadas quanto eu, por isso acredito que eu não era um tipo de bolsista ou algo assim. Penso que essa professora era uma espécie de voluntária.

A sala de aula era composta de duas mesas compridas, a lousa em uma das paredes e nas outras os desenhos e trabalhinhos que nós fazíamos.

Quando entrei na pré-escola, eu já sabia ler e escrever um pouco porque meus irmãos me ensinavam, e na pré-escola fui de fato alfabetizada. A professora utilizava a mesma cartilha que usei novamente na primeira série, a cartilha do Tito, porém a cor do cabelo do Tito mudou de um ano a outro de preto para loiro.

Em 1991 iniciei a primeira série na E.E.P.G. “Maristela Carolina Melin”, já alfabetizada. As primeiras e segundas séries eram chamadas de “CB’s” e a letra correspondente à turma tinha uma relação com a qualidade da mesma, por exemplo: “CBA” melhor/mais forte que “CBB”, que é melhor/mais forte que “CBC”. Tanto na primeira quanto na segunda série.

Não me recordo ao certo se usei a cartilha só na primeira série ou na segunda também. Mas lembro que só na terceira série é que ganhei os livros de Ciências e Estudos Sociais (apesar de praticamente não usá-los). Foi a partir da terceira série também que pude começar a escrever com caneta no caderno. Até então só lápis era permitido.

Até a quarta série a turma tinha uma única professora, inclusive para as aulas de Educação Física, que para nós nada mais era do que um recreio bem grande.

Nesse período (de 1.ª a 4.ª série) praticamente não tinha lição de casa. Quando tinha era pouca e dava pra fazer na escola mesmo, ao terminar a lição dada da sala.

Na quinta série as coisas mudaram um pouco por causa do número de professores e das matérias novas, História, Geografia, Ciências. Essas matérias eram praticamente desconhecidas para nós. E até mesmo Português e Matemática passou a ser bem diferente. O que continuava mais ou menos igual eram as aulas de Educação Artística. A diferença era que agora nós fazíamos coisas mais elaboradas, aprendíamos sobre as cores... Porque até então tinham sido quatro anos de muito recorte e colagem, desenhos, pinturas com lápis de cor e giz de cera. Eu acho que só na quarta é que aprendemos a tabuada e a dividir.

A única coisa que não mudara nada era a aula de Educação Física, que exceto pelo novo professor, para nós continuava a ser um recreio bem grande.

Na sétima série passei a não freqüentar mais as aulas de Educação Física porque comecei a trabalhar. Trabalhava de dia e estudava à noite. Hoje eu mesmo me surpreendo só de imaginar que na sétima série, com menos de 13 anos, eu já estudava a noite. Hoje eu acredito que nem exista mais escola que ofereça turmas de sétima série no noturno.

Na quinta e na sexta série me lembro de ter de vez em quando trabalhos para fazer em casa que nós tirávamos dos próprios livros didáticos, e de ter participado de uma mini feira de ciências.

A partir da sétima série eu nunca mais fiz nenhum trabalho ou atividade extra-classe. Nem mesmo no ano seguinte, na oitava série, quando no segundo bimestre, mudei de escola e voltei a estudar à tarde até o fim daquele ano.

Um detalhe importante: até então, desde a primeira série, eu tinha estudado na mesma escola e tive praticamente os mesmos professores de 5.ª ao começo da 8.ª série. Às vezes um mesmo professor dava aulas de matérias completamente diferentes de uma ano para outro. Por exemplo, a minha professora de Ciências na quinta se tornou minha professora de Português na sexta. O professor de Matemática foi também de Ciências e Educação Física (em séries diferentes). Ou ainda a mesma professora ministrando duas disciplinas no mesmo ano, como Português e Inglês.

Em 1998, no início da oitava série, fui morar por uns meses na Vila União em Campinas. Passei a estudar em um CAIC, era o CAIC “Prof.º Zeferino Vaz”. Se eu não me engano os CAIC’s são administrados pelo município, apesar de existirem em várias cidades.

Apesar de estranhar os professores, eu gostava da escola nova pois a julgava melhor do que a antiga, porque tinha não só uma estrutura melhor (quadras diferentes, uma delas coberta, biblioteca, sala de computador), como as aulas tinham um conteúdo mais aprofundado. Lembro de ter tido uma queda nas notas e de ter tirado minha primeira nota vermelha.

A Educação Física também era bem diferente, nós praticávamos cada bimestre um esporte, e uma coisa que me marcou muito foi a realização de uma gincana esportiva feita com a escola toda dividida em equipes, e cada equipe continha participantes de todas as séries (de 5.ª a 8.ª). A minha equipe ficou em último lugar, mas me orgulho em citar que ganhamos no futebol, já que eu era goleira do time!

Na verdade eu preferia ser goleira porque não tinha que correr muito e em geral eu tinha ido mal durante o ano todo em Educação Física. Para mim, praticar algum esporte era algo absolutamente novo, e que eu não consegui me adaptar muito bem.


No primeiro colegial, em 1999, voltei para Hortolândia (para a mesma casa em que havia morado desde a pré-escola, e na qual moro até hoje) para uma escola diferente, mas com a mesma “turma”, porque o “Maristela” era uma escola de 1.ª a 8.ª e por isso era comum os alunos que saíam de lá irem para o “Everest”, como era conhecida a E.E. “Prof.ª Hedy Madalena Bocchi”, já sem o “PSG”.

Essa escola nova (com rostos já conhecidos) era considerada uma das melhores escolas públicas de Hortolândia em termos de estrutura. Era bem grande (os primeiros anos iam até a turma I e os terceiros, até H), tinha biblioteca e sala de computadores, porém ficavam trancados (inclusive a biblioteca).

Nos três anos em que estudei lá, só entrei na sala de computador uma vez no terceiro ano para fazer uma reunião de formatura.

Só era permitido pegar na biblioteca o livro que a professora de Português indicasse (quando ela indicava!) e era sempre a inspetora que pegava. Nós não tínhamos acesso às prateleiras.

Nenhum conteúdo, de nenhuma matéria, era bem explorado. Eram no máximo apresentados, e o conteúdo das provas era sempre alguma coisa dada para decorar poucos dias antes. Nas exatas as fórmulas eram passadas sem grandes explicações, no fim, Física, Química e Matemática era a mesma coisa: equação de primeiro grau. Era só decorar a fórmula (quando já não vinha na própria prova) e achar o “x”, nunca havia duas incógnitas no mesmo “problema”.

Não tínhamos livros didáticos.

Durante os três anos não fiz sequer uma redação e li dois livros, um deles a meu pedido.

No segundo ano fiquei pela primeira vez de recuperação, mas não era a recuperação como havia na época do ensino fundamental. Era a famosa recuperação de janeiro. A matéria na qual eu teria reprovado era História (reprovada por falta, porque por nota era praticamente impossível reprovar), mas passei janeiro inteiro relembrando a época do ensino básico, fazendo recorte e colagem e montando painéis sobre assuntos diversos.

Os professores, de maneira geral, não tinham comprometimento nenhum com as aulas, com os conteúdos, muito menos com os alunos. No primeiro colegial tive 5 professores de Física, e era comum a troca de professores na disciplina durante o ano letivo.

Sem contar os professores substitutos que passaram a ser figuras de presença constante e que eram na verdade “babás” e não passavam conteúdo algum.

O tema “ensino superior” nunca fora mencionado, a não ser em uma ocasião em que a Universidade Paulista – UNIP, passou distribuindo inscrições gratuitas para seu vestibular. Teve até mesmo um caso de uma colega de turma que preencheu a tal inscrição (na própria escola), mas não foi fazer a prova, e mesmo assim recebeu uma cartinha parabenizando-a por ter sido aprovada no vestibular.

Eu não me interessei em preencher, já que não teria condições financeiras para pagar a faculdade.

Quando “terminei meus estudos” (essa era a idéia geral de quem se formava no ensino médio), estava na verdade triste porque eu sonhava eu fazer uma faculdade, em “ser alguém na vida”. Porém o meu salário era bem distante do necessário para se pagar uma faculdade.

Nessa época eu trabalhava em uma escola de informática próxima a um cursinho pré-vestibular (que na época eu não sabia ao certo do que se tratava). Certo dia, ao passar em frente como de costume, notei uma faixa que dizia “inscrições abertas”. Como sempre fui interessada em fazer cursos (na esperança de ter um emprego melhor), entrei para perguntar do que se tratava aquele curso, e lá a recepcionista me explicou que se eu fizesse aquele curso e me dedicasse bastante eu poderia entrar em uma universidade pública e não teria que pagar para fazer faculdade. Foi nesse dia que descobri que a Unicamp não era um Hospital.

Consegui bolsa no cursinho (era um cursinho alternativo) e comecei a estudar. Lá eu aprendi todas as coisas que eu nunca tinha ouvido falar no ensino médio. No meu caso (e acredito que no de todos que estudaram em escola pública) o cursinho estava bem longe de ser só uma revisão. Lá eu vi pela primeira vez conteúdos simples como "velocidade é igual a delta esse sobre delta te".

No primeiro ano de cursinho, além de aprender os conteúdos do ensino médio, aprendi também sobre as instituições e os cursos, o que me permitiu escolher não só um curso (diferente de administração!), mas a própria instituição.

Nesse ano eu passei apenas a primeira fase dos vestibulares da USP e da Unicamp, o que pra mim já foi uma grande vitória e motivo de muito orgulho para a minha família (que passou também a entender melhor essa diferença universidade pública/privada).

No ano seguinte cursei novamente o cursinho e consegui passar nas duas Universidades, porém na Unicamp fiquei em 20.º lugar na lista de espera o que não me deu esperanças de que iria ser chamada, já que o curso de Letras tinha apenas 30 vagas.

No entanto fui chamada ainda no primeiro dia de matrículas (1.ª chamada tarde), o que pra mim foi uma alegria muito grande, e a sensação que eu tive foi a de que o fim tinha chegado, meu objetivo tinha sido conquistado.

Hoje eu sei que na verdade aquele era só início de uma longa estrada.